deserto interior

           O sol a pino naquele deserto árido que se equiparava a mente daqueles do outro lado do mundo. Ele se levantou com uma dor insuportável e sob confusão absoluta. A sua frente viu somente os destroços do avião que ao invés de levá-lo para um descanso temporário havia tentado levá-lo ao descanso eterno. Os corpos recém expirados ou jaziam desorganizadamente junto aos destroços ou haviam sido atirados longe nas dunas, membros soltos compunham uma visão surreal descansando naturalmente sobre a areia. A aeronave ainda pegava fogo, o que aumentava o calor inerente a paisagem.
           Lembrou-se de si mesmo. As roupas rasgadas, o corpo cheio de sangue, suor e areia. Cortes profundos revelavam sua carne viva. Mesmo com a dor, conseguiu arrastar-se para longe dos destroços e com o peso dos ferimentos caiu de bruços e se entregou a morte.
           Porem a morte não se entregara a ele. Abriu os olhos somente quando o sol havia deixado de fustigar aquela terra, e agora a lua nutria as montanhas salgadas do seu leite materno. Algumas brasas ainda ardiam fulminantes do interior da estrutura, somente elas se movimentavam ao sabor do vento, o resto, tudo, estava morto. Fumaça negra subia ao céu estrelado e pintava semblantes de dor e tristeza.                    Lembrou-se de tudo, chorou quieto e exausto até adormecer novamente.
           Acordou e dormiu durante dias. Sonhou com sua infância, com sua família e com sua velhice. Por vezes tinha pesadelos horrendos com gritos e algazarra. Quando acordava tentava morrer, apenas para falhar e cair no sono novamente. Continuou assim até que o sal secou suas feridas e vozes tiraram-no de seu estado onírico. Abriu os olhos ressecados e viu seis vultos altos cobertos de tecidos negros que esvoaçavam a cada rajada enfurecida, apenas os olhos claros de pálpebras encouraçadas eram expostos. A tarde caia enquanto os seres se aproximavam dos destroços e do monte de entulho para retirar o que era de valor. Mutilavam alguns dos corpos atrás de seus anéis e relógios. A lua subiu novamente, e os beduínos logo estenderam um grande tapete no chão onde sentaram-se e comeram pedaços secos de víboras e lagartos do deserto. Falaram alto e beberam até que aquietaram em sono profundo.
           Agora que estava consciente ele sentia o frio intenso. Logo o dia voltaria e ele provavelmente seria mutilado e morto. Aceitara morrer pelas mãos do deserto, mas não pelas mãos dos homens. Pôs-se engatinhando para longe e o medo aterrador tomou-lhe o coração, estava indo em direção ao destino pior do que a morte, a solidão completa.

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